Os dias da viagem inaugural da linha da Beira Baixa

publicado originalmente na revista "O Foguete" nº 27 de 2014 da Associação de Amigos do Museu Nacional Ferroviário

Ilustração de Rafael Bordalo Pinheiro do comboio inaugural nas Portas de Ródão.

Entre as muitas datas relevantes na história da linha da Beira Baixa, os dias 5 e 6 de setembro de 1891 assumem especial relevo por marcarem o início da exploração comercial do troço entre Abrates e a Covilhã, notavelmente assinalados com uma visita do rei D. Carlos e da rainha D. Amélia à cidade de Castelo Branco e à cidade serrana, vindo assim aumentar o entusiasmo de toda uma região que por fim se via servida pela viação acelerada, na qual depositava todas as esperanças de um futuro mais próspero.

Propõe-se este pequeno artigo acompanhar alguma imprensa da época e, tomando nota dos aspetos menos explorados e menos conhecidos, os ferroviários, apresentar alguns elemetos sobre a viagem inaugural e os dias que a antecederam.

As obras de construção da linha da Beira Baixa tiveram início no mês de dezembro de 1885, avançando por três secções diferentes, sendo que a primeira ía de Abrantes a Rodão, a segunda de Rodão à Covilhã e a terceira da Covilhã à Guarda. A magnitude dos trabalhos (212 km de linha, 9 túneis e dezenas de pontes) exigiu recurso a muita mão de obra, que consta ter atingido cerca de 15 mil trabalhadores no período de maior atividade. Finalmente, no verão de 1891 as duas primeiras secções estavam concluidas e prontas para inaugurar.

As datas da inauguração

A inauguração da linha da Beira Baixa chegou a estar marcada para dia 15 de agosto de 1891, "Dizem-nos de Abrantes que é provavel que ainda não abra no dia 15 do corrente á exploração publica a nova linha ferrea desde Alferrarede a Covilhã, mas sim no proximo mez de setembro" (Diario Illustrado de 06 de agosto de 1891), sendo que as razões desse adiamento talvez se prendessem com a demora da minunciosa fiscalização à linha que decorreu entre os dias 9 e 12 de agosto, "A commissão nomeada pelo governo para inspeccionar as pontes da nova linha ferrea de Abrantes á Covilhã, prestes a abrir ao serviço publico, partiu hontem á noite no «Sud-Express» para Abrantes. A commissão foi n’um salão da companhia real, salão que ha de percorrer o novo caminho de ferro. Acompanhou a commissão o sr. Engenheiro António de Vasconcelles Porto, director da construcção da Beira Baixa" (Diario Illustrado de 09 de agosto de 1891). Com a conclusão dos trabalhos de fiscalização e o regresso da comissão de inspetores a Lisboa, é alvitrada uma nova data, "Este caminho de ferro parece que será inaugurado, segundo consta aqui (Abrantes), no dia 25 do corrente ou primeiros de setembro proximo" (Diario Illustrado de 14 de agosto de 1891).

Engenheiro António de Vasconcellos Porto, diretor das obras de construção do caminho de ferro da Beira Baixa.

No dia 19 de agosto o diretor de construção da linha, engenheiro Vasconcellos Porto, regressa a Abrantes para tratar dos últimos trabalhos necessários enquanto que se espalha o boato de que a família real assistirá à inauguração da nova linha, “A’ inauguração d’este caminho de ferro assistirá El-Rei, e, segundo nos consta, deve ser uma festa imponente. Na Covilhã o enthusiasmo é grande” (Diario Illustrado de 20 de agosto de 1891).

No dia 23 de agosto uma comitiva composta por representantes das autarquias de Castelo Branco e da Covilhã deslocam-se à capital, com a finalidade de solicitar ao rei D. Carlos a sua visita aos respetivos municipios na inauguração da linha "Os representantes dos municipios da Covilhã e Castello Branco chegarem aqui (Entroncamento) ás 11 horas e 40 minutos da manhã, em comboio expresso e seguem no comboio que d’aqui parte ás 4 horas da tarde, devendo ali (Lisboa) chegarem ás 8-05 da noite. Occupam dois salões" (Diario Illustrado de 24 de agosto de 1891). D. Carlos recebe a comitiva beirã na sua residência de Sintra no dia 24 de agosto e fica, nesse encontro, definida a data de inauguração da linha da Beira Baixa,"Como dissemos foram hontem a Cintra em comboio expresso pelas 12 horas do dia os representantes das camaras municipaes de Castello Branco e Covilhã (...) Acompanhava estes cavalheiros o sr. Ministro das Obras publicas. El-Rei accedeu ao convite agradecendo a deferencia d’aquellas municipalidades. A inauguração realizar se-ha no dia 5 de setembro" (Diario Illustrado de 25 de agosto de 1891), ficando desta forma definido todo o calendário para a abertura desta nova via, o qual foi noticiado dia 27 de agosto, "Diz se que a abertura da linha ferrea da Beira Baixa effectuar-se-ha, desde Abrantes até á Covilhã, no dia 1.º de setembro proximo, unicamente para serviço de grande velocidade; (...) Nos dias 5 e 6 haverá um serviço especial de comboios para Castello Branco e Covilhã, dias em que Sua Magestade, visitará aquellas cidades, segundo prometteu aos representantes d’aquelles municipios, que hontem regressaram a suas casas. No dia 7 realisar-se-ha a inauguração definitiva" (Diario Illustrado de 27 de agosto de 1891).

Exploração

A parte da linha da Beira Baixa inicialmente aberta à exploração "comprehende as estações de Alferrarede, Alvega Ortiga, Belver, Barca da Amieira, Fratel, Rodam, Sarnadas, Castello Branco, Alcains, Lardosa, Castello Novo, Alpedrinha, Penamacor, Fundão, Tortozendo e Covilhã, e os apeadeiros denominados Mouriscas, Valle de Prazeres, Alcaide e Alcaria" (Diario Illustrado de 04 de setembro de 1891), havendo a notar que "Os apeadeiros (...) Mouriscas e Alcaria não fazem serviço por emquanto" (Diario Illustrado de 27 de agosto de 1891). Da mesma forma o troço Covilhã – Guarda "(...) que comprehende as estações de Caria, Belmonte, Benespreira, Sabugal, Guarda e Monte Barro, deve estar concluida em novembro proximo" (Diario Illustrado de 20 de agosto de 1891). Esta última secção da linha, não obstante o seu avançado estado de construção, viria a ser afetada pela grave crise financeira de 1891/92 que conduziu Portugal para uma bancarrota parcial. O ritmo das obras diminuiu tendo os trabalhos paralizado durante o ano de 1892. A sua inauguração só teria lugar em 11 de maio de 1893 e esquecida ficou a concordância com a linha da Beira Alta em Monte Barro.

Com o aproximar da data de inauguração "O pessoal da linha já está nomeado e a postos. (...) O chefe do movimento d’esta linha, sr. Russell é um homem experimentado e sympathico. Já exerceu identico logar nos caminhos de ferro de Caceres, quando estes pertenceram á companhia real portugueza" (Diario Illustrado de 20 de agosto de 1891), e no início de setembro chegam à estação de Abrantes os empregados de fiscalização desta nova linha.

São de igual forma estabelecidas as tarifas, "De Lisboa, Santa Apolonia, os preços dos bilhetes até á Covilhã custarão 5$980 réis, em 1.ª classe, 4$660, em 2.ª e 3$330 em 3.ª; e do Rocio, 6$120, 4$770 e 3$410. Regem n’este novo caminho de ferro as Tarifas Geraes do Norte e Leste" (Diario Illustrado de 17 de agosto de 1891), "A nova linha ferrea da Beira Baixa, vae ter tambem bilhetes de banho por preços reduzidos, para diversas estações do norte, leste, oeste e Minho e Douro" (Diario Illustrado de 11 de agosto de 1891).

No que respeita aos horários dos comboios ordinários, que tiveram início no dia 7 de setembro, noticiou-se "Na proxima segunda feira abre definitivamente esta linha ferrea com um serviço diario de dois comboios ascendentes e dois descendentes para passageiros e dois para mercadorias. Partidas dos comboios de passageiros: de Abrantes para a Covilhã ás 2,25 da tarde e 12,45 da manhã (0:45); da Covilhã para Abrantes ás 5,30 da manhã e 5 da tarde. Partidas dos comboios de mercadorias: de Abrantes ás 8,45 da manhã; da Covilhã ás 9,15 da manhã" (Diario Illustrado de 04 de setembro de 1891).

A inauguração provisória

A inauguração provisória da linha da Beira Baixa ocorreu no dia 1 de setembro de 1891, "havendo notícia de grande entusiasmo por entre os engenheiros e construtores. Como referido anteriormente, nesta data apenas teve início o serviço de grande velocidade, havendo dois comboios, ascendente e descendente, partindo de Abrantes ás 12-45 da manhã (0:45) e da Covilhã ás 5 horas da tarde" (Diario Illustrado de 27 de agosto de 1891). Será curioso notar que em algumas estações as mercadorias já se acumulavam há muitos dias à espera do início da exploração, "Consta que ha grande numero de transportes na Covilhã aguardando a abertura da linha ferrea, para seguirem os seus destinos, especialmente fardos de lã. D’esta mercadoria a tonelagem a transportar é importante" (Diario Illustrado de 20 de agosto de 1891). Também a novidade e natural curiosidade das gentes da Beira Baixa atrai muito povo às estações, e toda a logística associada à iminente visita real imprime à linha uma grande dinâmica nos seus primeiros dias de exploração, "O movimento de passageiros não tem sido, por ora, grande. A´s «gares» das estações servidas (...) vae muita gente ver partir e chegar os comboios. Em Castello Branco e Covilhã, a azafama é grande" (Diario Illustrado de 03 de setembro de 1891).

Para estas duas cidades que apresentavam muitas carências a nível de equipamentos e meios para receber os milhares de visitantes aguardados, foi necessário enviar algum apoio a partir da capital do reino, conforme foi sendo noticiado; "Para acompanharem a magestade na sua visita á Beira Baixa, partem hoje para Castello Branco 26 policias e dois cabos, sob o commando do chefe Costa. Também hoje ou ámanha partem para aquella cidade, carros, cavalos e creados da Companhia Lisbonense de carruagens" (A Vanguarda de 03 de setembro de 1891), "Artistas musicos de Lisboa partem para a Covilhã para executarem no domingo um solemne Te Deum" (Diario Illustrado de 04 de setembro de 1891), "Chegaram (à Covilhã) 20 policias de Lisboa, 100 soldados de infanteria 4 e 22, o general de 3.ª divisão, Elvino de Brito. Chegaram (à Covilhã) as carruagens reaes e pessoal do serviço de Suas Magestades" (Diario Illustrado de 06 de setembro de 1891).

Diferentes pontos de vista sobre um mesmo acontecimento; a passagem do comboio real pela estação de Abrantes segundos os monárquicos (à esquerda no “Diário Illustrado”) e segundo os republicanos (à direita no “A Vanguarda”).

Dias 5 e 6 de setembro

Chegam por fim os tão aguardados dias da viagem real às cidades de Castelo Branco e Covilhã, as datas que para a história passam a assinalar a inauguração oficial da linha da Beira Baixa.

"O comboio real conduzindo Suas Magestades e demais comitiva parte hoje de Cintra ás 8,15 da manhã devendo chegar a Castello Branco ás 3,40 da tarde" (Diario Illustrado de 05 de setembro de 1891). Nessa mesma manhã partiu às 8:25 da estação do Rossio um comboio especial com destino a Benfica conduzindo os jornalistas e demais convidados que iriam acompanhar a família real na sua viagem. Na estação de Benfica tomaram lugar no comboio real que seguiu para o seu destinho pela linha de Cintura, que, curiosamente entrou ao serviço nesse mesmo dia, assim como a estação de Braço de Prata.

O comboio era formado pelo "salão de Suas Magestades, salão de ministros, salão da direcção dos caminhos de ferro, restaurant, carruagens para os convidados e dois fourgons. O comboio (foi) em dupla tracção até Abrantes com machina exploradora" (Diario Illustrado de 04 de setembro de 1891). Após esta interessante descrição do que aparenta ser um longo comboio real poder-se-á fazer um pequeno exercício especulativo, com o objetivo de tentar identificar quais os veículos que o constituiam. Começando com os salões de suas magestades, ministros e restaurante parece não haver dúvida tratarem-se das carruagens reais Sy3, Sy4 e SRyf 2, compradas um ano antes à casa francesa Desouches David, e que hoje fazem parte do Comboio Presidencial, embora profudamente alteradas pela reconstrução de 1940. Já quanto ao salão da direção dos caminhos de ferro, seria igualmente um Desouches David, muito provavelmente o Syf 1 de 1888, que na atualidade está preservado na Secção Museológica de Valença. As carruagens para os convidados e jornalistas, em número indeterminado, seriam com grande probabilidade, carruagens de primeira classe (alguma porventura com coupé e fauteils ou mesmo toilette cama devido à viagem de regresso a Lisboa, que iria decorrer durante a noite), eventualmente dos melhores modelos que existiram na época. Impossíveis de identificar, seriam veículos com pouco mais de 7 metros de comprimento e três compartimentos, com um máximo de 24 lugares. Finalmente no que diz respeito aos dois furgões, a maior probabilidade recai sobre a série Df 1 a 10, com 7,28 m de comprimento e 5 toneladas de carga, adquiridos nesse mesmo ano à Desouches David, por serem os mais modernos da Companhia Real. Um destes furgões, o Df 1, chegou felizmente aos nossos dias e encontra-se preservado junto do Syf 1 na Secção Museológica de Valença.

Durante o seu percurso efetuou as seguintes paragens, "em Bemfica tres minutos, nos Olivaes um, em Sant’Anna dois; em Santarem cinco, no Entroncamento vinte e sete, em Tramagal dois, em Abrantes quinze, em Alvega-Ortiga e Belver tres, em Fratel e Vila Velha de Rodam cinco" (Diario Illustrado de 05 de setembro de 1891). A maior demora no Entroncamento deveu-se ao facto de que aí "foi offerecido ás magestades, alteza, ministros, camarista, etc., um lauto almoço" (A Vanguarda de 05 de setembro de 1891). Já no dia 6 de setembro o mesmo comboio seguiu de "Castello Branco para a Covilhã pelas doze horas da tarde, demorando-se cinco minutos nas estações de Alpedrinha e Penamacor, tres em Alcaide, dez no Fundão e tres em Tortozendo" (Diario Illustrado de 05 de setembro de 1891), tendo a chegada à Covilhã ocorrido por volta das três da tarde.

Outro dado com interesse para a história desta viagem será o facto de na "locomotiva de exploração, que (foi) adiante do comboio real desde Abrantes até Castello Branco e Covilhã (seguia) o engenheiro de exploração sr. Malheiro Dias e demais pessoal da secção d’aquela linha ferrea" (Diario Illustrado de 05 de setembro de 1891).

Para facilitar o publico a visitar a nova linha e assistir aos festejos nas duas cidades, a Companhia Real fez circular dois comboios especiais, a preços reduzidos, sendo no dia 5 de setembro entre Abrantes (de onde partiu às 10:45), e Castelo Branco (aonde chegou às 14:35) sendo o regresso às 23:00 e chegada a Abrantes às 02:35. No dia 6 de setembro o comboio especial circulou entre Abrantes (de onde partiu às 06:30) e a Covilhã (aonde chegou às 14:10) sendo o regresso às 23:00 com chegada a Abrantes às 6:35.

A afluência de passageiros foi tal que "Calcula-se em 8:000 o movimento de passageiros havido na linha da Beira Baixa durante os dias 5, 6 e 7 do corrente" (Diario Illustrado de 08 de setembro de 1891), embora esse número se configure algo desmoderado para a quantidade de comboios que circulou nesse período.

Já o regresso a Lisboa teve início na Covilhã à meia noite do dia 7 tendo o comboio real chegado cerca das 11:30 do dia 8 à nova e monumental estação do Rossio, projetada por José Luiz Monteiro, inaugurada três dias antes, no dia 5 de setembro, e que ainda hoje constitui um dos cartões de visita da capital portuguesa, "O comboio real vem á estação central do Rocio, onde se prepara grande recepção a Suas Magestades. A «gare» está sendo adornada com bandeiras e flores. Pela primeira vez funcciona o salão real que a Companhia dos caminhos de ferro construiu n’esta estação, a capricho, para serviço de Suas Magestades" (Diario Illustrado” de 07 de setembro de 1891).

E não obstante estar este artigo principalmente centrado nos aspetos ferroviários da inauguração desta linha, torna-se imperioso deixar um comentário sobre a grandiosidade das festejos que, em Castelo Branco e na Covilhã, excederam todas as espetativas, sendo que nenhum jornalista poupou elogios ao povo simples e hospitaleiro da beira que tão bem recebeu a família real (disseram os monarquicos) e tão bem recebeu o caminho de ferro (argumentaram os republicanos).

Ilustrações de Rafael Bordalo Pinheiro sobre a benção de locomotivas pelo bispo da diocese de Portalegre-Castelo Branco, Gaudêncio José Pereira, na estação de Castelo Branco e da estação do Alcaide.

Abrantes, 5 de setembro de 1891. Locomotiva C.P. 169 com o comboio especial das 10:45 para Castelo Branco. Foto col. José de Paula Hungria.

A locomotiva inaugural da linha da Beira Baixa

Conhecida a composição do comboio real, o Diario Illustrado presta um grande serviço à história ao especificar as locomotivas que o rebocaram, "O comboio irá em dupla tracção até Abrantes com machina exploradora. As locomotivas serão as da serie 90 de grande velocidade. De Abrantes á Covilha o comboio será rebocado pela machina 009, condensadora de fumo, que para ali deve partir hoje. Vimol-a já enfeitada a capricho, com bandeiras e tropheos" (Diario Illustrado de 04 de setembro de 1891).

Esta notícia pode levantar alguma dúvida e confusão pois, se por um lado não existia em Portugal nenhuma locomotiva numerada 009, por outro lado as locomotivas tender que estavam equipadas com condensador de fumo, formavam a série 09 – 026 tendo sido adquiridas ao construtor inglês Beyer Peacock, de Manchester, entre 1890 e 1891 para serviços de Lisboa a Cascais, Sintra e Sacavém, sendo a condensação de fumos especialmente útil no atravessamento do túnel do Rossio.

A dúvida é desfeita pelo periódico republicano, A Vanguarda, que certifica este facto ao afirmar que "de Abrantes para deante o comboio real foi rebocado por uma machina condensadora de fumo" (A Vanguarda de 05 de setembro de 1891). Desta forma, e fazendo fé no Diário Illustrado (a diferença entre 009 e 09 não constitui mais do que um erro jornalístico ou tipográfico) será históricamente seguro afirmar que a locomotiva que rebocou o comboio real que inaugurou a linha da Beira Baixa nos dias 5 e 6 de Setembro de 1891, foi a C.P. 09.

Mas que motivos podem ter justificado a escolha improvável desta série de máquinas? Passados mais de 120 anos, dificilmente se encontrará resposta a esta questão, embora seja possível tecer alguns argumentos favoráveis à sua seleção; além de serem de recente construção, eram das locomotivas de passageiros com maior esforço de tração na época, ideal portanto para a tração da pesada composição inaugural desde Abrantes até à Covilhã; a emissão de pouco fumo afigurava-se como um benefício para uma viagem onde a família real tinha constantemente de acenar, e talvez sair da carruagem real, para saudar as autoridades locais e o povo que acorria em grande número às estações; a viagem de regresso foi direta à estação do Rossio pelo que a C.P. 09 era a locomotiva indicada para conduzir o comboio pelo túnel até ao interior da gare.

Independentemente do motivo da escolha, o certo é que fica definitivamente posta de parte a teoria, que circula em alguns meios, de ter cabido à locomotiva C.P. 135 (preservada no Museu Nacional Ferroviário) a honrosa tarefa da inauguração do caminho de ferro da Beira Baixa. Não fica no entanto diminuida a importância desta máquina de mercadorias, uma vez que participou ativamente na construção desta linha , sendo inclusivamente a primeira a chegar à cidade de Castelo Branco no dia 14 de julho de 1889, durante as obras de contrução da referida via férrea.

Ricardo Barradas

Locomotiva 023, Lisboa P em data desconhecida. Uma locomotiva igual a esta rebocou o comboio real que inaugurou a linha da Beira Baixa nos dias 5 e 6 de setembro de 1891. Foto CP col. JENS.