As linhas da Mina dos Monges Nº1 e

da Mina da Nogueirinha

- caminhos de ferro industriais (I) -

Minas de Ferro de Montemor-o-Novo é a designação usualmente dada à faixa mineralizada situada nas freguesias de S. Mateus, Santiago do Escoural e S. Brissos, no concelho de Montemor-o-Novo,distrito de Évora. Com uma extensão de aproximadamente doze quilómetros, estende-se paralela à Linha do Sul e Sudeste, desde a Herdade da Nogueirinha, a sudeste, até à Herdade da Gamela,a nordeste, compreendendo as concessões: Herdade da Nogueirinha, Herdade da Defesa e da Sala, Herdade da Serrinha, Vale da Arca, Casas Novas, Carvalhal, Herdade do Castelo, Serra dos Monges Nº2, Serra dos Monges Nº1 e Ferrarias -Herdade da Gamela-.

Vários vestígios existentes nas minas Serra dos Monges Nº1, das Ferrarias e da Nogueirinha atestam a mineração e fundição praticadas pelos romanos ou, mais tarde, pelos mouros. No entanto só no século XIX começou a exploração mineira de toda esta faixa, quando em 1866 foi dada a concessão para a Mina Serra dos Monges Nº1. Problemas de ordem técnica e económica conduziram a uma exploração pouco regular. Não obstante, algumas das minas chegaram a ser largamente exploradas, tendo até sido servidas por pequenas linhas ferroviárias para facilidade de escoamento do minério.

Durante a década de quarenta do século XX, vários anos após o abandono das linhas, um estudo realizado pela Direcção Geral de Minas e Serviços Geológicos revelou que as massas importantes desses jazigos já tinham sido extraídas restando apenas pequenas tonelagens de minério de qualidade inferior. Era o atestado de óbito das Minas de Ferro de Montemor-o-Novo.

Mapa dos ramais

A linha da Mina dos Monges Nº1

Não obstante ter sido várias vezes registada, a portaria dos direitos de descoberta da Mina Serra dos Monges Nº1, foi dada à Cartaxo Street Cº., em 4 de Agosto de 1865. Em 12 de Novembro de 1866 esta companhia obteve a concessão provisória e um ano mais tarde a definitiva.

Muito embora se dissesse que o ferro desta mina era de qualidade superior ao de Bilbao e pouco inferior ao da Ilha de Elba -Itália-, que era dos melhores ferros que se conheciam, os seus primeiros anos de lavra não foram propriamente um sucesso. Segundo afirma o Engº. Rudolf Monat num relatório de 24 de Fevereiro de 1868, a causa da morosidade dos trabalhos até esta data dever-se-ia à dificuldade em arranjar comprador a um preço conveniente e ainda por obstáculos apresentados à construção de um ramal ferroviário para a mina. Quatro anos passam sem que a situação se altere, pois segundo um parecer do Eng.º João Ferreira Braga de 1872, a lavra até esse ano tinha sido intermitente, não só por falta de um ramal que estabelecesse a ligação com os Caminhos de Ferro do Sul e Sueste, mas também pelo elevado preço das tarifas, más condições de baldeação para os barcos no cais do Barreiro e baixa cotação do ferro no mercado estrangeiro.

E é precisamente no ano de 1872 que começa o mais importante período de exploração desta mina. Dois factores foram decisivos. Por um lado estava a alta dos preços do ferro nos mercados internacionais causado por um aumento na procura deste minério. Por outro lado foi a redução das tarifas do transporte ferroviário, por portaria de 7 de Fevereiro de 1872, que estabelecia como primeira condição dessa concessão não transportar menos de 25 mil toneladas de minério de ferro anualmente. A Cartaxo Street Cº. tratou imediatamente de proceder à construção de uma pequena linha que, partindo da mina ia entroncar com a rede geral de caminhos de ferro.

Não se encontrou referência à data do início da construção desta pequena linha férrea, mas sabe-se que em Junho de 1872 os movimentos de terra e as pequenas obras de arte estavam quase concluídas, estando-se a começar o assentamento da via.

A pequena linha com uma extensão de aproximadamente 4200 metros, tinha início ao quilómetro 81 da linha do Sul e Sueste[1] e seguia, numa rampa ligeira mas contínua, até às proximidades da mina.

Ao quilómetro 81 existia uma torba onde se fazia a transferência, por gravidade, do minério das vagonetes da mina para os vagões do Sul e Sueste. Esta manobra era possível graças a um desnível de aproximadamente quatro metros entre o caminho de ferro mineiro e a linha de via larga. Ainda neste local, e pela análise de alguma cartografia da época, há indícios da existência de um triângulo de inversão, que seria usado, muito provavelmente, para a inversão das pequenas locomotivas da mina. A companhia do Sul e Sueste contava, naturalmente, com uma linha de resguardo onde os seus vagões eram carregados com o minério de ferro.

Torba existente ao km 81 da Linha do Leste

Já nas proximidades da mina a linha bifurcava-se dirigindo-se um dos ramos a norte, para o plano inclinado nº1 (ou do Convento) localizado nas proximidades do Convento dos Monges[2] cujas ruínas ainda hoje existem no local, enquanto que o outro ramo ia até ao plano inclinado nº2 (ou de S. Jorge) mais a sul.

Imagens dos planos inclinados do Convento e de S. Jorge

A bitola desta pequena linha, seria, segundo o Eng. Bartissol, de um metro[3], o que, a nível de curiosidade, lhe confere o título de única via métrica do sul do país.

Para o serviço neste caminho de ferro foram adquiridas duas[4] pequenas locomotivas a vapor de 7 toneladas e um número indeterminado de vagonetas especiais para o transporte do minério. Infelizmente não foram encontrados dados sobre este material. Das imagens que chegaram aos nosso dias podemos afirmar tratarem-se de locomotivas saddle-tank, com uma disposição de rodados 0-2-0, cilindros exteriores e com um característico apara-fagulhas montado na chaminé. Tal como o proprietário das minas, a sua origem deveria ser inglesa.

Imagem de uma das locomotivas e a vagoneta nº50

Graças ao relatório do Eng. Bartissol ficamos a saber que as vagonetas, carregadas, desciam por gravidade desde as minas até ao quilómetro 81 onde o minério de ferro era transferido para os vagões de 7,5 toneladas do Sul e Sueste e que as locomotivas eram, então, empregues para rebocar as vagonetas vazias de regresso à mina. Parece que muitas vezes a coordenação entre os dois comboios não era a mais correta e acontecia que quando chegavam as vagonetas com minério da mina não estavam ainda os vagões de via larga disponíveis para receber o minério. As vagonetas eram então despejadas e regressavam à mina. Quando o comboio do Sul e Sueste chegava, o minério era depois carregado numas vagonetas da mina que se encontravam permanentemente junto à torba do quilómetro 81 e daí passava, finalmente, para os vagões de via larga. Manobras bem curiosas, não haja dúvida.

Os mercados internacionais mantiveram-se favoráveis à laboração desta mina durante alguns (poucos) anos. Em 1875 contava os Monges com 350 operários e foram exportadas 60 mil toneladas de minério. Mas logo em 1879 paralizaram os trabalhos devido à baixa de preços ocasionada pela laboração das minas de Bilbao. Desta paralisação resultou não só abandono mas também o levantamento da linha férrea. Não se sabe qual o destino das duas pequenas locomotivas, mas foram, seguramente, vendidas para outros caminhos de ferro em Portugal ou no estrangeiro.

Não obstante uma existência efémera, de 1872 a 1879, esta linha deixou várias marcas e ainda hoje, 129 anos depois de ter sido levantada, são visíveis algumas partes do seu traçado, como o grande aterro junto ao Convento dos Monges.

A linha da Mina da Nogueirinha

A Mina da Nogueirinha é registada pela primeira vez em 1871 por Rufino Basílio Rachão mas o alvará de concessão definitiva só é atribuído em 13 de Agosto de 1873 a James Hall. Ao longo dos anos esta mina foi passando por períodos de exploração mais ou menos intensos assim como por alguns períodos de inactividade. O seu alvará de exploração também foi sendo transmitido até chegar em 1911 à casa Henry Burnay Cª.[5] O último ano de actividade desta mina foi 1929 e em 1937 é solicitada a suspensão da lavra.

Chegou a ser servida por uma linha de via larga com uma extensão de aproximadamente 5 km que a ligava directamente à estação de Casa Branca e eram as próprias locomotivas e vagões da Companhia do Sul e Sueste que circulavam até à mina. Sabe-se que por este ramal era transportado não só o minério extraído da Nogueirinha mas também das minas da Defesa, Serrinha e Vale da Arca que estavam ligadas ao cais da Nogueirinha por meio de uma linha decauville.

Comboio da Companhia do Sul e Sueste nas proximidades de Casa Branca

No seu relatório de 1876 o Eng. Bartissol justifica a necessidade da construção desta linha com o facto deste conjunto de quatro minas, já referidas, poder exportar entre 350 a 400 toneladas de minério por dia o que equivaleria a um movimento de 50 a 60 vagões de 7t,5 do Sul e Sueste. “Este grande movimento na estação de Casa Branca iria causar atrasos e dificuldades que seriam difíceis de vencer neste país, especialmente se a linha continuar nas mãos do Estado, como acontece presentemente”, afirma Bartissol. Ainda segundo este engenheiro a despesa com a construção desta linha seria a seguinte:

Embora não se conheça a data de construção desta linha, ela terá, portanto, ocorrido após 1876, não se podendo no entanto afirmar que a sua construção tenha seguido as directrizes indicadas por Bartissol. E sendo a quantidade de minério extraída das minas consideravelmente inferior às previsões feitas por este engenheiro[6], o Banco Burnay acaba por solicitar em 26 de Abril de 1926 autorização para levantar os carris de caminho de ferro. Este pedido foi indeferido, mas com a cessação da actividade desta mina três anos mais tarde, a linha acabaria por ser, também ela, abandonada.

Ainda hoje são visíveis alguns vestígios no ponto onde esta linha tinha início na estação de Casa Branca. A própria agulha que dava acesso a esta linha foi apenas removida há alguns anos atrás. Já próximo da mina da Nogueirinha ainda é possível observar uma pequena secção com carris e travessas assim como um aterro por onde decorria a seu traçado.

Ricardo Barradas (publicado na revista "O Foguete" nº 19 de 2008)

Vista aérea da estação de Casa Branca notando-se o início da linha da Mina da Nogueirinha

Vestígios da linha ainda visíveis nas proximidades da antiga Mina da Nogueirinha

Bibliografia


- Minas de ferro de Montemor-o-Novo Direcção Geral de Minas e Serviços Geológicos; Lisboa 1949
- LEAL, AUGUSTO S. A. B. P. - Portugal Antigo e Moderno Editora de Mattos Moreira Companhia; Lisboa 1875
- BRAGA, JOÃO F. -Relatório acerca das Minas de Ferro da Nogueirinha, Defesa, Serrinha, Vale d'Arca, Castelo e Ferrarias Lisboa 1872 (Arq. da Rep. de Minas)
- SILVA, ANTÓNIO M. - Relatório de reconhecimento da Mina do Sítio do Carvalhal 1901 (Arq. da Rep. de Minas)
- BARTISSOL – Rapport sur les Gisements de Minerai de Fer Magnétique de San Thiago, Province de Alemtejo, Portugal; 1876 (Arq. da Rep. de Minas)

NOTAS


[1] Actual Linha do Alentejo entre a estação de Torre da Gadanha e a antiga estação de Escoural.
[2] Também conhecido como Convento de Nossa Senhora do Castelo das Covas de Monfurado. O terramoto de 1755 quase destruiu o edifício ainda em construção, pelo que a primeira missa só veio a ser dita em 1783; em 1834 o decreto de extinção das ordens religiosas condenou-o ao abandono e ao esquecimento. Mesmo assim, a igreja ainda serviu ao culto até ao princípio do século XX.
[3] Foram encontradas duas referências a uma bitola 0m60, sendo uma num relatório de 1901 elaborado pelo Eng. António M. Silva e outra numa obra de 1949 sobre as Minas de Montemor-o-Novo, da Direcção Geral de Minas e Serviços Geológicos. É de crer que esta bitola não é correcta, pois se por um lado a linha há muito que tinha sido levantada aquando da elaboração destes trabalhos, por outro, algumas fotografias evidenciam a existência de duas bitolas diferentes na Mina dos Monges Nº1. A bitola de 0m60 pertencia às linhas decauville que uniam as galerias com os planos inclinados e facilitavam a extração do minério, e os seus vestígios terão, muito provavelmente, induzido em erro os seus autores.
[4] Mais uma discrepância encontrada na obra de 1949 sobre as Minas de Montemor-o-Novo, da Direcção Geral de Minas e Serviços Geológicos, onde é referida a existência de quatro locomotivas.
[5] A casa Henry, Burnay Cª., mais tarde Banco Burnay, foi fundada Henry Burnay (1837 – 1909), e esteve envolvida na construção de linhas de caminho de ferro.
[6] No seu relatório de 1876 previa a extracção de 100000 ton por ano das minas da Nogueirinha, Defesa, Serrinha e Vale da Arca, enquanto que na realidade este conjunto de minas exportou apenas 137406 ton em toda a sua vida útil.