De Lisboa a Madrid por Castelo Branco

- um pouco de história -

Mapa da Linha

Assim como nos nossos dias, sempre se achou necessário diminuir o tempo de viagem por comboio entre Lisboa e Madrid. Já durante a segunda década do século XX se falou e escreveu muito sobre este assunto. Era, nessa época, muito frequente os jornais criticarem as então 16 horas necessárias para ir de uma cidade à outra num lento comboio "rápido". Também, segundo esses jornais, a redução do tempo de viagem entre as duas capitais ibéricas era uma medida que tinha de ser tomada urgentemente. Motivos para tal não faltavam. Lisboa e Madrid estavam de costas voltadas uma para a outra, dizia-se ser lamentável não existir uma linha de caminho de ferro direta que ligasse estas duas cidades que reuniam perto de dois milhões de habitantes. Uma linha direta seria um grande passo nas boas relações entre os dois países , iria promover o desenvolvimento do comércio entre os dois países assim um grande aumento de turistas na nossa bela cidade de Lisboa. Por outro lado, uma rápida ligação com Espanha iria indiscutivelmente fazer do porto de Lisboa o principal porto da Península Ibérica, em detrimento do porto de Vigo (principal rival do porto de Lisboa nessa época), e também fazer de Lisboa o mais curto caminho entre o Velho e o Novo Mundo. Mas para tudo isto seria necessário que o tempo de viagem entre as duas cidades não fosse superior a sete horas, o que era bastante difícil de atingir por esses anos.

>Numa entrevista em 22 de Janeiro de 1928 ao Diário de Notícias, o Eng. António Birne (conhecido engenheiro dos caminhos de ferro portugueses) ao descrever a linha Lisboa-Madrid afirma que mesmo reforçando a linha com carris de 45 kg/m e 18m de comprimento, que permitiam a circulação de locomotivas de 18 toneladas por eixo (reforçando, naturalmente, todas as pontes para estas cargas), nunca se conseguiria obter tempos de viagem no percurso Lisboa (Rossio) - Marvão - Madrid (Delicias) inferiores a onze horas, isto já sem contar com os pelo menos 45 minutos de paragem nas alfândegas fronteiriças.

Segundo a opinião do mesmo engenheiro, a única forma de se reduzir consideravelmente o tempo de viagem, seria em Portugal, a construção de variantes onde não fosse possível melhorar as linhas existentes, ou então, melhorar até onde fosse possível a linha portuguesa com a construção de um restante troço complementar. Em Espanha, por outro lado, dever-se-ia proceder à construção de uma linha completamente nova da fronteira até Madrid. Todas as linhas a beneficiar e construir deveriam ficar com curvas de raio superior 500 ou 600 metros, e com rampas não superiores a 10 mm/m, pois só com estas características poderiam os comboios atingir os 90 km/h, velocidade essa necessária para colocar Madrid a sete horas de viagem de Lisboa.

Afirmava-se desta forma a ideia de construir uma linha férrea de Castelo Branco a Plasencia cruzando a fronteira num ponto entre as localidades de Salvaterra do Extremos e Monfortinho. Usou-se o termo "afirmava-se" pois já muito antes se tinha pensado construir uma linha de caminho de ferro que seguindo a margem do rio Tejo iria até à fronteira espanhola, passando não muito afastada da capital da Beira Baixa. Recuemos algumas décadas no tempo. Em 19 de Abril de 1845 é adjudicado à Companhia das Obras Públicas de Portugal a construção de uma linha férrea pela margem do Tejo ligando Lisboa à fronteira espanhola (trata-se do primeiro documento oficial sobre a construção de caminhos de ferro em Portugal). Posteriormente, em Janeiro de 1876, o engenheiro Sousa Brandão apresentou o projeto para a construção de uma linha que saindo de Abrantes seguia pela margem direita do rio Tejo e pelo vale do rio Ponsul (afluente do Tejo), passando aproximadamente a uma dezena de quilómetros de Castelo Branco, em direção à fronteira perto de Salvaterra do Extremo, e pela qual a viagem de Lisboa a Madrid passaria a ser de 603 km, em vez dos então 799 km via Badajoz. No entando, a abertura à exploração no ano de 1880 do ramal de Cáceres entre Torre das Vargens (na linha do Leste), Marvão e Cáceres, permitiu reduzir o tempo de viagem entre as duas capitais levando ao abandono do projeto de Sousa Brandão. Acabaria, mesmo assim, por ser construída uma linha pela margem direita do Tejo, de Abrantes a Vila Velha de Ródão, infletindo seguidamente para norte até à cidade da Guara; como todos sabemos, a linha da Beira Baixa.

Voltando aos anos 20 do século XX, é nomeada em 11 de Junho de 1927 uma comissão para a revisão do Plano Geral da Rede Ferroviária do Continente. Segundo parecer desta comissão, uma linha que saindo da cidade de Castelo Branco e atravessando a mais vasta e mais rica, mas mesmo assim, a mais atrasada região da Beira Baixa indo encontrar-se com os caminhos de ferro espanhois na localidade fronteiriça de Salvaterra, reveste-se de grande utilidade para o desenvolvimento económico do país e da província da Beira Baixa.

Não será exagero dizer que esta linha esteve, assim, muito próxima de ser uma realidade.

Descrevem-se, de seguida, as obras necessárias para que do lado português esta fosse uma verdadeira linha para os comboios rápidos de Lisboa a Madrid. Estas começavam no Entroncamento uma vez que até esta estação a via estava em boas condições.

Entroncamento a Abrantes - A via deveria ser duplicada, para o qual as terraplanagens já estavam preparadas desde a sua construção. Reforçar as pontes que ainda não o tinham sido, nomeadamente a do Rio Torto que devido à falta de "gabarit" já tinha causado vários acidentes (a conhecida ponte corta cabeças à entrada da estação de Abrantes no sentido ascendente).

Abrantes a Vila Velha de Ródão - Este troço deveria ser modificado unicamente em planta, aumentando o raio das curvas para 500 ou 600 metros, pois quanto ao perfil podia ser considerado de primeira ordem. Reforçar a via com carril de 45 kg/m e 18 metros de comprimento, reforçar de igual forma as pontes e viadutos para permitir a circulação de locomotivas de 20 toneladas por eixo.

Vila Velha de Ródão a Castelo Branco - Considerado o troço mais difícil da linha pois nele existem algumas rampas de 18 mm/m e elevado número de curvas com raio de 300 metros. Neste troço deveriam ser modificados os raios das curvas para 500 ou 600 metros assim como reforçar as pontes, viadutos e linha com o mesmo tipo de carril da secção anterior. Este troço não era suscetível de ser modificado em perfil.

Castelo Branco a Salvaterra - A nova linha a construir, à saída da cidade albicastrense deveria seguir a direção nordeste até ao rio Ponsul, seguindo a sua margem direita, atravessando pequenas ravinas e linhas de água até próximo de Idanha a Nova, aí a linha deveria atravessar o rio para a margem esquerda, onde ficaria a estação que iria servir esta rica região. A construção desta secção com uma extensão aproximada de 26 km não deveria oferecer dificuldade alguma, uma ponte de 20 a 30 metros em alvenaria sobre uma ribeira afluente do Ponsul, e sobre este, uma ponte de alvenaria de 3 arcos, com o comprimento total entre 75 a 80 metros. As rampas não deverias ultrapassar os 10mm/m e os raios das curvas não deveriam ser inferiores a 500 ou 600 metros. De Idanha à fronteira havia duas possibilidades. A primeira seria a linha seguir diretamente para Salvaterra, enquanto que a segunda possibilidade seria após Idanha, a linha desviar-se um pouco para sul aproximando-se de Zebreira e dirigindo-se de seguida para a fronteira (este percurso mais dois quilómetros que o anterior).

As duas variantes do traçado

Desde cedo a linha de Castelo Branco a Salvaterra começou a sofrer várias críticas. No jornal "Comércio e Industria" sai um artigo em 31 de Março de 1928 atacando duramente esta traçado e sugerindo que a solução mais inteligente seria a construção de uma linha direta de Vila Velha de Ródão até Salvaterra do Extremo, a qual teria duas vantagens em relação à anterior. Em primeiro lugar a distância Ródão a Salvaterra seria alguns quilómetros menor que a alternativa por Castelo Branco, por outro lado o terreno era grande parte em planície, quase sem obras de arte, o que implicava menor custo de construção e consequentemente uma maior economia para o país. Dizia o jornal que A Nação não está disposta a pagar vaidades, uma alusão óbvia à cidade de Castelo Branco e à vila de Idanha a Nova. Em resposta a esta crítica, o Dr. Jaime Lopes Dias, secretário geral do Governo Civil de Castelo Branco, assim como um dos grandes defensores desta linha, argumentou que seria mais fácil e económico a construção de 53 km (distância em linha reta) de castelo Branco a Salvaterra, fazendo as necessárias modificações nos 30 km entre esta cidade e Vila Velha de Ródão do que construir 74 km (distância em linha reta) entre esta última vila fronteiriça.

Nova polémica apareceu pondo em causa esta construção por razões de segurança nacional, uma vez que esta nova via de comunicação poderia vir de alguma forma favorecer as operações do exército espanhol em caso de guerra com Portugal. No entanto, durante uma visita oficial a Castelo Branco do então ministro da guerra Coronel Passos e Sousa, este afirma, referindo-se a esta questão, que depois das lições aprendidas pela Grande Guerra, não podem os estados isolar-se, razão pela qual afirma que pelo seu ministério não iriam aparecer obstáculos à realização de tão importante fator de progresso e desenvolvimento da região da Beira Baixa.

Não obstante o muito que se falou e escreveu sobre esta linha, a incansável luta de vários beirões que pugnaram pela sua construção, as visitas ministeriais à região e mesmo a sua inclusão na ordem de assuntos a tratar na Conferência Económica Luso-Espanhola de 11 de Julho de 1927, esta ligação não chegou a ser uma realidade, e assim como muitos outros projetos de linhas férreas em Portugal, foi caindo no esquecimento.

Ricardo Barradas